No decorrer dos cento e dezenove anos de emancipação política de Urussuhy e a fase anterior esse período, muitas são as histórias que ainda se pode contar. Umas com enredo de alegria, de sucesso, de superação, outras nem tanto. Algumas já foram objeto de crônicas, outras ainda precisam ser narradas a partir de alguns preciosos fios de memória.
Quando a temática é segurança pública, registra-se que, desde a primeira hora de emancipação política, o município passou a contar com forças policiais visando a garantia da ordem pública. No ato de instalação, no dia 07 de setembro de 1902, João de Holanda Cavalcanti foi nomeado como primeiro Delegado de Polícia do município. E neste cargo ele ficou por alguns anos. A partir daí, vários outros assumiram essa função. Cada um com seu jeito de atuar. Uns mais brandos, mais compreensíveis, mais humanos, outros nem tanto. Dentre outros delegados que por aqui atuaram, cita-se alguns: Tenente Augusto Pereira Nunes(1916), Pedro Ferreira Barros(1927), Artur Cavalcanti Couto(1929), Tenente Cajueiro e Tenente Feitosa. Este, já na década de 80. Em geral, os delegados permaneciam na cidade de quatro a oito anos. Dependia muito do alinhamento político com a gestão municipal.
A atuação policial, em alguns casos, ao invés de apaziguar a situação, terminava por provocar revolta e terror na sociedade. Dentre outras barbáries levadas a cabo por quem deveria proteger a comunidade, é preciso ser, psicologicamente, forte para ler uma narração feita pelo historiador José Patrício Franco, em sua obra sobre a história de Uruçuí. Conta ele, que “um desses delegados e seu destacamento, na década de 20(…) deu à cidade, um espetáculo público de violência e arbitrariedade, espancando um pobre indefeso preso comum, desde o início da rua Grande(Álvaro Mendes), a maior da cidade, até a cadeia que ficava no fim da mencionada artéria.
Àquela época o soldado usava o “comblen”, arma curta, presa à cinta e forjada no aço. Pois foi com o “comblen”, esta arma temida, que os quatro soldados, em plena rua, espancaram o pobre homem até que vomitasse sangue pela boca e pelo nariz. Dois soldados espancavam pelas costas e dois outros pelos peitos. Eu tinha naquela época, pouco menos de dez anos. Até hoje me horroriza pensar como aquilo era terrível. As investigações policiais, na Delegacia, eram naquela época, desumanas, e as torturas praticadas chegavam até a opinião pública. Um caso de investigação policial, em que o indigitado foi torturado para confessar um furto que não cometera, atingiu ao máximo. O homem, conhecido na cidade preso e surrado de palmatória por vinte e quatro horas, gritou pedindo socorro, implorou misericórdia. A opinião pública indignou-se, levantando-se contra o delegado responsável por aquelas torturas. Finalmente o dinheiro havia sido perdido e não furtado. Outro e não ele, havia achado e não tivera consciência de entregar ao dono que havia levado a queixa. Com o clamor da opinião e a consciência pesada, aquele que havia achado, conhecido e conceituado na cidade, confessou secretamente ao delegado. O castigo cessou para aquele que tão barbaramente fora torturado. O verdadeiro culpado nada sofreu(era amigo do delegado). Seu nome ficou conhecido e a sociedade local o repudiou daí por diante”.
Eis, portanto, um episódio que causou revolta social, descrença e temor dos métodos de investigação usados pela autoridade policial da época. Esse caso da vida real, figura-se como um dos mais bárbaros que teve Urussuhy como ambiente. Não o único. Não fosse Patrício Franco, a contemporaneidade não teria acesso a esses episódios pretéritos. Mesmo não sendo acontecimentos nada degustáveis.
Anchieta Santana
Historiador