Vinte de janeiro é o dia de São Sebastião. O Santo padroeiro escolhido pelos católicos de Uruçuí, há mais de meio século. Uma festa onde havia o fervor religioso nos recintos das igrejas e o deslumbramento do povo consumindo produtos diversos, passeando e se divertindo sob sons emanados de barracas profanas bem atrativas com uma cobertura de palha.
A festa de São Sebastião, por aqui, intensificou-se com a criação da Paróquia local, pelo então bispo, Dom Eilberto Dinkelborg, no alvorecer da década de sessenta. É um tempo em que o município começa a experimentar uma nova rotina econômica e social e é contemplado com a implantação de uma agência do Banco do Brasil. Um fato que fortaleceu o comércio doméstico e, de certa forma, deu mais ânimo às festividades domésticas.
O mês e janeiro era o período mais aguardado pela sociedade local, de regiões adjacentes e uruçuienses que vivem em outros estados. Famílias que, às vezes, trabalhavam boa parte do ano buscando economizar recursos que possibilitassem a participação nas festividades de São Sebastião. E não apenas recursos financeiros, mas, principalmente, produtos da lavoura e da criação doméstica de animais que eram vendidos durante os festejos.
Os romeiros vinham dos mais longínquos lugarejos do município. Vinham, a principio, a pé, a cavalo ou de barco. Eram viagens demoradas e cansativas, por caminhos tortuosos, mas nenhuma dificuldade vencia a vontade de ser parte nas celebrações. Eram homens, mulheres e crianças que se juntavam nos templos religiosos e nas compras junto aos camelôs que cobriam ruas e calçadas com os mais diversos produtos que, quase sempre, eram anunciados através de megafones. Ali era comprada a roupa para a família, uma panela para a cozinha, um chocalho para a vaca, uma enxada para o roçado, enxofre para remediação, uma sela e um bridão para o cavalo, um pilão para o tempero, uma fita cassete recheada de bregas preferidos, saco de estopa, baldes e bacias para os afazeres domésticos, baladeira para o menino, um chapéu de palha e/ou “de massa” para o chefe da família…e uma fotografia ao lado de um cavalinho para ficar como lembrança.
Mas não era apenas isto. Nas igrejas os romeiros de uniam em orações por graças alcançadas, pedidos de intercessão ou apenas renovando sua fé em São Sebastião. E ainda muitos batizados e casamentos. Eram tantos matrimônios e batizados que os párocos reservavam dias específicos para esses atos. Após as celebrações, na parte de fora do templo, as pessoas se juntavam em torno de um disputado leilão que visava angariar fundos para os trabalhos de evangelização da paróquia. Ali, arrematava-se: uma galinha bem assada, uma rosca bem tostada, uma penca de banana maçã, uma porção de leitão assado, doces diversos, um bode… e, no último dia, um boi pesando algumas arrobas.
E, na manhã do último dia de festejos, dia 20, uma multidão se aglomerava em torno de uma proteção fictícia, no “Campo de Avião”, para ver o duelo dos animais na corrida de prado. E na sequencia, o desfile das montarias pelas ruas da cidade animado pelo voz de um aboiador bem afinado ou não. Uma caminhada que tinha como primeiro destino, o templo sede de São Sebastião. Depois, as barracas profanas.
Com o passar do tempo, houve modernizações na forma de deslocamento dos romeiros, na construção das barracas, nas corridas de prado…E um distanciamento, cada vez mais visível, entre o religioso e o profano. Entre o templo e as barracas. Primeiro, a igreja foi protegida por grades para evitar que as pessoas fizessem suas necessidades fisiológicas em suas calçadas; depois, quebrando elos de uma tradição quase centenária, as barracas começaram a ser erguidas em ambientes longe do templo religioso. E, também, por uma série e razões, os camelôs foram se desanimando e poucos passaram a vir ofertar seus produtos nos festejos de São Sebastião. O número de romeiros também foi ficando diminuto.
E, na contemporaneidade, por conta de uma perversa pandemia reinante, nem barracas, nem romeiros e minguadas celebrações.
Portanto, uma tradição que era sinônimo quase perfeito de “encontro de amigos”, “confraternização entre religiosos”, “de multidão de romeiros”, “de festas no clube recreativo”, “de camelôs anunciando seus produtos”, “de barracas lotadas de consumidores”, “de corrida de prado com cavalos de pequeno porte”…Parece em desatino; parece que perdeu o bonde da história.
Anchieta Santana
Escritor uruçuiense
Jan.2021