Quando o assunto é navegação nas águas que banham Urussuhy e região, sempre surgem sobrenomes que estiveram na vanguarda desse processo de idas e vindas, transportando pessoas e mercadorias nas estradas líquidas que são os rios Parnaíba, Uruçuí Preto e Balsas. Sobrenomes como Melo, Pearce, Neiva e outros. Eram famílias que não apenas produziam embarcações sob encomendas, mas, também navegavam pelos principais caminhos dos rios. Principalmente, o Parnaíba, esse rio que a veia poética do amarantino Da Costa e Silva, o chamou de “Velho Monge”. Isto, foi no princípio do século XX, quando o genial poeta piauiense escreveu seu livro nominado “Sangue”.
Dentre tantos profissionais que atuaram no universo da navegação, por aqui, José Martins Neiva, o Mainha, é considerado o último percussor. Ele foi proprietário de diversos vapores e um dos mestres que mais conhecia os caminhos das águas nessa parte do Parnaíba. Ele era filho adotivo de Thomas William Pearce. Este, além de comandar vapor como o Santa Cruz, também fez sua história nas águas do Parnaíba e Balsas. Mainha nasceu em 16 de setembro de 1915 e faleceu, aos 94 anos, em 07 de junho de 2009.
José Martins Neiva, além de ser considerado um vanguardista na navegação, foi também, uma memória que relatou detalhes sobre os tipos de barcos, combustíveis, distâncias, valores de cargas transportadas e outras preciosas informações. Ele não apenas deu informações orais, mas, também, produziu relatos escritos que ajudam, e muito, na compreensão da história da navegação piauiense.
Mainha, certa vez, respondendo a uma consulta feita pela professora Irací Castelo Branco, de em 17 de junho de 1997, disse: “Os vapores que marcaram a tua infância e também o meu início na Marinha Mercante, tal como “Joaquim Cruz”, “Quinze de Novembro”, “Antonino Freire”, “Chile”, “Manoel Thomas”, “Santa Cruz”, “Brasil”, “Piauí”, “América”, “Afonso Nogueira” e a Lancha Tombo, que você frisou, eram movidos a vapor; gás conseguido com o aquecimento da água nas caldeiras, fazia movimentar as máquinas dos barcos por você citados e dos demais que você esqueceu e que talvez não tenha conhecido em virtude de só fazerem linha entre os portos de Parnaíba Floriano.
Todos esses barcos eram mistos, isto é, transportavam cargas e passageiros; com exceção da Lancha Tombo, também movida a vapor, que transportava carga e passageiros, nos barcos a seu reboque. Os vapores: Joaquim Cruz, Quinze de Novembro, Antonino Freire e Chile, da sua recomendação, eram impulsionados a rodas de pás à popa, sendo que os demais(…)eram também movidos e impulsionados a rodas instaladas nas laterais, conforme os primeiros navios que singraram os oceanos do passado, cujo os propulsores foram abolidos em virtude do mau funcionamento nos mares cavados, como também pelo descobrimento da hélice, ideal propulsora de profundidade, ainda hoje usada pelos navios do mundo inteiro.
A Lancha Tombo e as demais lanchas do seu tempo, também eram impulsionadas à hélice. O combustível usado naquela época aqui no Parnaíba era a lenha. Nos navios de cabotagem, além da lenha para os barcos costeiros, os combustíveis mais usados era carvão de pedra, coque, ulha e por vezes até a turga. Sendo que, no apagar das luzes das máquinas a vapor, já se vinha usando óleo diesel que era injetado nas mesmas fornalhas dos combustíveis citados, por meio de um sofisticado aparelho denominado maçarico.
A duração das viagens de Nova Iorque a Floriano, dependia da época e das escalas: na época invernosa de rio cheio, sem escalas, o motor ou lancha São José, fazia este percurso entre 6 e 8 horas; com escalas ,esse tempo podia dobrar ou triplicar de acordo com a carga a receber nos portos de Alto do Manico e Guadalupe. Quanto ao preço de passagens, naquela época de cruzeiro com muitas cifras, variava de 30 a 50 cruzeiros, com direito a refeições e até mordomias.
Os motores a óleo diesel, como: São José, Albatroz, Goiás, Pedro Ivo, Ubirajara, Princesa Isabel, São Pedro, Boa Esperança, Mensageiro da Fé, Pará, Urucânia, Maria Lêbo, Paulo Afonso e outros, surgiram nos idos de 1963, desbancando a velha navegação a vapor que teve início no princípio deste século. O vapor Itamar veio um pouco antes dos motores e era movido a gás pobre, que era obtido na queima de carvão vegetal com aspersão de água, cujo gás era usado nos motores comuns a gasolina, com pequenas modificações. Sim, os motores como o São José, Albatroz, Pará, Goiás e outros, eram mais velozes que os barcos a vapor, não só pelo propulsor usado com maiores rotações da hélice, como também o formato do casco, geralmente um pouco mais esquisito, com excelentes entradas e saídas de água que lhes propulsionavam mais seguimento e facilidades de manobras(…).
Os vapores Joaquim Cruz, Antonino Freire, Quinze de Novembro e Manoel Thomas(que depois teve o nome mudado para Parnaíba), foram projetados e construídos pelo meu pai adotivo, Engenheiro Thomas Pearce. Obras realizadas por ele mesmo nos estaleiros de Liverpool, na Inglaterra. Isto foi nos idos de 1912. Lancha Tombo está certo, não se podia dizer Motor Tombo, pois ela ou elas eram movidas a máquinas a vapor, todavia tanto se podia dizer motor São José, como Lancha São José; a diferença mesmo que existia ou ainda existe é que, de um modo geral, as lanchas como a Tombo e outras, só tinham uma tolda, ao passo que o São José e os outros barcos da mesma categoria são providos de duas toldas. Entendido?
No início da navegação, o sal era embarcado nas barcas, nas salinas, como Belamina, em Luís Correia, no Piauí e demais salinas do Maranhão, na região de Tutóia, tais como: Salinas, Bagre Assado, Cabeça de Porco, Teixeira, Carnaubeira, Urubu e outras; eram distribuídas por todas as cidades ribeirinhas a partir de Parnaíba, Santa Filomena e Alto Parnaíba. Tudo via rio Parnaíba, também, São Félix, Loreto, Sambaíba, via rio Balsas que é o principal afluente do Parnaíba pela margem esquerda, cuja embocadura dista apenas 500m do porto de Uruçuí”.
Esse pool de informações, disponibilizadas por aquele que teve boa parte de sua vida ativa trabalhando no universo da navegação, é, portanto, um documento que relata riquezas que ajudam a contar a história da navegação nesta parte do Piauí. E, por último, registra-se que José Martins Neiva, em 09 de junho de 2010, teve seu nome escolhido para nomear a ponte que liga Uruçuí(PI) a Benedito Leite(MA).
Anchieta Santana
Historiador