Só quem vivenciou o pleno funcionamento do “Poço Jorrante” que existia no final da, hoje, Rua Rogério José de Carvalho, em Uruçuí, consegue mensurar a importância e o alcance social que ele teve nas décadas de 70 e 80. Quiçá, um pouco antes, um pouco depois. Ele alimentava, com seu líquido precioso, todos os homens, animais e plantas que estavam ao seu alcance. Ele conseguia, ao mesmo tempo, a proeza de, além de fornecer, sem nenhum custo, sua água, provocar, ao longo do dia e da noite, encontros comunitários em seu entorno. Encontros com as mais diversas finalidades. “Banhar no jorrante” era uma frase que já estava incorporada à cultura doméstica.
O poço jorrante era uma referência quando a necessidade era tomar banho, executar construções, lavar roupas, carros e outras coisas mais. Até mesmo serviu como fonte de renda. Muitos eram aqueles que vendiam “carga d’água”, por um preço nem tanto simbólico. A água que jorrava com força e leveza chegava aos pontos mais distantes da zona urbana em lombos de animais, carroças e parcos carros-pipa. Sem contar que muitos homens, usando o próprio lombo, faziam o transporte da água utilizando-se de duas latas e uma peça de madeira. Enfim, a necessidade de água terminava por provocar um verdadeiro formigueiro humano em torno da referida fonte.
Centenas foram as residências e outras construções edificadas usando água do poço em questão. Impossível quantificar quantos litros d’água foram jorrados durante décadas.
No princípio, como havia a escassez de veículos automotores, via-se pessoas transportando água em veículos de tração animal, usando latas, cabaças e outros recipientes. As mulheres, com bastante desenvoltura, conseguiam transportar latas com água usando uma “rodia” sobre a cabeça. Essa proeza, alguns homens até tentavam, mas não tinham bom desempenho.
O poço jorrante, por excelência, era um ambiente concorrido. Era uma fonte pública, de água potável, que supria a necessidade social daquela época. Além do transporte de água, via-se as dezenas de mulheres que, diariamente, dirigiam-se àquela fonte, portando “trouxas de roupas” para serem lavadas. Ali, elas passavam o primeiro sabão, estendiam as roupas sobre os arbustos, para, depois, fazer o ‘enxague’; ou seja, tirar o sabão e deixar as vestes prontas para, de forma definitiva, serem levadas ao sol. Considerando o deslocamento, o esforço físico e o tempo que as mulheres passavam para executar esse trabalho, era uma tarefa bastante exaustiva. Mas não tinha outra alternativa.
Com o acesso público a alguns chafarizes e/ou similares e, posteriormente água encanada, o poço jorrante foi, aos poucos, caindo em desuso, faltou o zelo coletivo e o vandalismo foi inevitável. Aquele que saciou a sede pública por anos a fio, terminou por ser morto pelo viés social. Isto, não era para ter acontecido. Não era! Não se sabe porquê “cargas d’água”, aconteceu.
Conforme exposto, o poço jorrante foi um misto de exuberância e protagonismo; hoje, alimenta a nostalgia e a história urbana de um passado que já vai ficando distante. Fosse ainda ativo, além de servir como ponto de lazer, daria mais charme e vida àquela região da cidade. E ainda, continuaria cumprindo sua nobre função social.
Anchieta Santana
Historiador