A Maria Laura foi uma bela jovem de olhos engatinhados que,
ainda pequenina, trazida pela família, trocou a aridez cearense pelos
ares que enobrecem o solo uruçuiense. E aqui, após exaustiva batalha
vencida pelos desencantos da paixão e da malha fina do abandono, foi sumariamente escolhida para viver num estado de demência inexorável demais. Era um desvairo passional-social sem precedentes.
. Empurrada pelo estado de desprezo social que a consumia, Maria
Laura, em nome da sobrevivência e de sua história, trocou a cidade
pelo Morro da Cruz e tornou-se pedinte pelas ruas de nossa Cidade
Menina. Mas não era uma mendicante qualquer, tinha lá suas exigências
e seus comportamentos. E como consequência construiu amizades parciais
com dezenas de pessoas. E mais, zelou os cães vira-latas que a
acompanhavam diariamente e serviam de proteção para aquela Maria de
face surrada pelos achaques desse mundo impiedoso. Laurinha
gritava incansavelmente para que os meninos a deixassem em paz. Ela
detestava uma cusparada próximo dela. E a meninada e alguns adultos
teimavam em irritá-la.
E assim cantou em versos o poeta uruçuiense Nelci Gomes(Zomin):
“Com rosto amargurado
Ela sempre acordava
E saía pela cidade
Logo que levantava
Chorando pela estrada
Correndo atrás do nada
E nada ela encontrava”
Dos ombros de minha adolescência, lembro-me que as pessoas, às
vezes, ficavam condoídas com aquele estado seminu e de demência da
Maria Laura; e, por isso, ajudavam-na com alimentação e vestimentas
para que as “vergonhas” fossem enrustidas. Só não me recordo de alguém
ter feito alguma coisa para que a Laurinha fosse resgatada do caos
mental em que vivia envolvida. Sinceramente, essa ação, se existiu,
não foi publicada.
Ela foi chamada ao Paraíso há muitos anos; ou como diz Zomin,
“ela foi morar na cidade do céu”. Foi em maio de 1997. Entrou para a
história pela porta mais estreita e triste: a do sofrimento. Os
seus últimos dias aqui na terra foram terríveis para o já debilitado corpo
da Maria que foi Laura, bela, amou, sonhou, não foi amada, enlouqueceu
e foi chamada para outra dimensão espacial. O Morro da Cruz ainda
sente a falta de sua filha adotiva e, em memória, ainda guarda os gemidos,
as confidências e os ecos dos gritos e larídeos daquela figura feminina que, empurrada pela imperatividade social, escolheu uma toca como morada.
Não. Infelizmente não me lembro de nenhum trabalho social que
objetivasse retirar Laurinha daquela penúria. E muitas Marias
continuam perecendo nos mares de lassidão da vida e nenhuma linha
legisla para mudar o rumo dos ventos.
Uruçuí-PI, março, 2011
Crônica Prof. Anchieta Santana